terça-feira, 19 de agosto de 2014

Leis vigentes, mas inaplicáveis no contexto da peculiaridade da Amazônia profunda.

Tema nascido das reações ao artigo do JO a respeito dos conselhos de Maquiavel aos garimpeiros


Ou a necessidade de criar instrumentos alternativos para o “Estado” não perder o monopólio da administração e da punibilidade nesta região

Diante da descrença nas instituições sociais, leis inaplicáveis ou não aplicadas, casos frequentes de desobediência civil e, segundo apontam alguns juristas, quebra do monopólio do direito de punir e de administrar do Estado, ideias como o direito alternativo ganham força nos debates, envolvendo todos os setores da área jurídica, englobando advogados, juízes, doutrinadores, estudantes e toda uma miríade de pessoas interessadas em direito.
O direito é um fenômeno social e, assim sendo, deve ser reflexo da sociedade e acompanhar a constante evolução desta. O que fazer então, quando, em face da constante metamorfose social (que ocorre principalmente pelo fato de o próprio homem estar numa constante busca de aperfeiçoamento) as leis continuam as mesmas no tempo? Sabe-se da necessidade, e até mesmo da urgência da mudança de determinadas leis, mas mesmo assim, a dificuldade é imensa nessa modificação, tomem-se como exemplo as reformas tributárias e da previdência.
O que fazer quando por razões geográficas, em zonas de fronteiras, a sociedade é totalmente diferente da sociedade geral e não encontra nas leis vigentes segurança para suas atividades como é na Amazônia profunda e principalmente no Tapajós?
Leis  vetustas, ou novas, mas em desacordo com coletividades locais diferenciadas são grandes entraves às relações humanas, gerando inquietude social e abrigando situações injustas, que é exatamente o que o direito quer evitar; ou levam à desobediência, como se nota nos dias de hoje. De acordo com o Direito Alternativo, caberia ao juiz, quando no julgamento do caso, eliminar ou apaziguar a discrepância legal com os anseios sociais, observando com restrições os preceitos legais que abrangessem situações injustas. Tal modo de agir entra em choque com o positivismo exacerbado que se encontra predominante no nosso direito; o dura lex sed lex vigente, inflexível e insensível seria, pelo uso do Direito Alternativo, aliviado.
Não obstante o fato de se alegar o Direito Alternativo ser uma criação recente (final dos anos 80 e início dos 90) pode-se dizer que já no início do século existia um conjunto de ideias parecido, que igualmente não prosperou, sob a alcunha de Direito Livre. Tem este, alguns pontos em comum com o Direito Alternativo: repúdio à doutrina da plenitude do direito positivo; a melhor solução para os casos concretos seria sempre a justa, contrária ou não aos textos vigentes. A aplicação da lei, pura e simples, não seria o caráter precípuo da jurisdição, mas sim a decisão justa, de preferência de acordo com as leis, mas contrariando esta em prol da justiça. Recebeu o Direito Livre, críticas parecidas com as feitas ao Direito Alternativo:  tal modo de aplicar a lei (ou de não aplicá-la) diminuiria o que de mais importante as leis trazem: a segurança. Estaria também se substituindo a vontade da lei, que em tese representa a vontade da coletividade, pela vontade individual do juiz.
Mas seria o Direito Alternativo uma opção ao direito, ou uma forma alternativa de ver esse direito? No primeiro caso,  o Direito Alternativo seria algo em paralelo à ordem jurídica estatal, ou seja, aquele que aplica a lei escolhe esta quando trouxer justiça, mas a ignora ou limita o dizer do direito positivo quando este contrariasse a equidade, onde quem julga escolheria um dos dois, ou mesclaria ambos.
Se se admitisse o Direito Alternativo como opção ao direito, então se teria o distanciamento da segurança que a lei traz, restando insegurança e baderna jurídica. A lei só é lei porque está amparada pela soberania estatal. Qualquer forma alternativa ao direito não teria legitimidade, seria imposição arbitrária de uns para outros, constituindo-se num retrocesso sem tamanho.  Fora de cogitação.
A  segunda forma, única plausível, seria obtida, através de uma interpretação alternativa, uma forma de exegese feita ao arbítrio do julgador, mas tomando, sempre como base, a lei. Ambas as  hipóteses se encaixam, com maior ou menor intensidade, nas ideias propaladas a respeito do Direito Alternativo.
Carlos Maximiliano,  no seu livro “Hermenêutica e aplicação do Direito”, cuja primeira edição é de  1924, tendo quase não mudado o seu teor nas suas edições mais modernas (há dois volumes no NID), já demonstrava como fazer tudo o que os alternativistas querem, só que com critérios científicos e seguros. Dizia ele que a interpretação deveria ser antes sociológica do que individual (p. 31).



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